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“ 7 mitos sobre a Inconfidência Mineira”




A Conjuração Mineira de 1788/1789 ou, como ficou mais conhecida posteriormente, a Inconfidência Mineira é, sem a menor sombra de dúvida, do ponto de vista cultural e simbólico o evento mais identitário da consciência cívica do povo mineiro. Com a elevação do conjurado “Tiradentes” ao status de herói nacional e proto-mártir da independência, tornando-se inclusive o único brasileiro homenageado com um feriado nacional, a importância da Conjuração Mineira dentro da história brasileira foi potencializada na mesma proporção, tanto que uma simples pesquisa na internet pelos termos “Inconfidência Mineira” ou “Tiradentes” traz milhares e milhares de respostas, a esmagadora maioria em sites de pesquisa escolar, praticamente todos com as mesmas informações, uma história rasa e artificial, suficiente pra responder a testes escolares mas muito aquém daquilo que realmente foi este evento histórico e de sua importância, não apenas para a história das Minas Gerais como de todo o Brasil.


A proliferação destas miríades de “colinhas escolares” sobre a Conjuração Mineira prejudica a pesquisa séria, sufoca as informações mais lastreadas na realidade dos fatos e parece reduzir um dos mais importantes acontecimentos da história deste país a uma mera resposta de prova de história de nível ginasial e olhe lá. Tanto que em um evento recente que participei ao lado de outros membros do Priorado dos Inconfidentes, enquanto conversava com nosso Grão-Prior Gladston Lopes, chamou-me a atenção a fala de uma professora de história que se envolveu na conversa e sustentou: “A Inconfidência Mineira foi um movimento separatista de Minas Gerais, conduzido pela elite econômica e intelectual mineira dentro da maçonaria, inspirado pela Revolução Francesa, sem a participação do povo, da população negra e menos ainda de mulheres. No fundo, não passou de uma série de reuniões especulativas.” A frase da professora foi de uma genialidade digna de um prêmio, pois conseguiu reunir em uma única sentença, as sete maiores mentiras a respeito da Conjuração Mineira e ainda fazer algum sentido, tanto que me vi motivado e a desfazer, com base em evidências e documentos históricos, cada um destes 7 principais mitos sobre a “Inconfidência Mineira” como veremos a seguir:





1) A “Inconfidência Mineira” foi um movimento elitista?


Uma das mais absurdas alegações sobre a o movimento tem origem em um esforço ideológico de projetar sobre uma revolta acontecida na Bahia uma década depois, conhecida como “Revolta dos Alfaiates” ou Conjuração Baiana, a imagem de uma “revolução social” e para isso, o historiador baiano Affonso Ruy, publicou em 1942 o livro intitulado “A Primeira Revolução Social Brasileira” no qual, além de contar a história do movimento baiano sob a ótica que melhor coaduna com a sua narrativa, tentava desqualificar a “Inconfidência Mineira” que o precedia e criar, neste movimento, um oposto com o qual contrastar. Assim sendo, se a revolta baiana era a primeira “revolução social” do Brasil, a contraparte mineira seria, em suas próprias palavras uma “revolução aristocrática” (pág. 205). A afirmação do historiador baiano não encontra qualquer lastro senão no próprio esforço narrativo, como provou o Professor Almir de Oliveira, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, em sua obra “As Duas Inconfidências” de 1970. O historiador juiz forano relacionou as profissões e ocupações dos 23 conjurados que foram sentenciados pela coroa portuguesa como líderes do movimento e que se constata é que, embora a maioria fossem fazendeiros e padres, o que por si não configura necessariamente uma elite, contavam-se entre estes 2 comerciantes (Domingos de Abreu Vieira e João da Costa Rodrigues), 1 carpinteiro (Antônio de Oliveira Lopes), 1 barbeiro-cirurgião (Salvador Carvalho do Amaral Gurgel), 1 guarda-livros (Vicente Vieira da Mota), 1 alfaiate (Vitoriano Gonçalves Veloso) sem contar o próprio Tiradentes, que antes de sentar praça na cavalaria regular, trabalhou como tropeiro, minerador e barbeiro-cirurgião. Disto se conclui que somente entre os 23 que receberam sentença por participar da liderança do movimento, 7 pertenciam às classes mais populares de trabalhadores, sem contar que entre os demais, 5 eram padres (nenhum bispo ou abade, apenas padres) e 8 fazendeiros. O mais próximo da aristocracia que havia entre os conjurados seriam o engenheiro José Álvares Maciel e os advogados Cláudio Manuel da Costa e Inácio José de Alvarenga Peixoto, 3 entre 23, derrubando por terra o mito de que “revolução aristocrática” aventado pelo historiador baiano.




2) Os inconfidentes eram maçons?


Outra afirmação que não sobrevive sequer a uma simples verificação cronológica é a de que os conjurados eram maçons ou mais ainda que a própria conjuração fora promovida pela maçonaria. Basta considerarmos que aqui estamos falando de 1788 e 1789, período em que aconteceu a Conjuração Mineira. Apesar de a Maçonaria ter surgido oficialmente em 1717, com a fundação da Grande Loja de Londres e Westminster, na Inglaterra e desde então, ter-se espalhado por todo o mundo, a tese dos conjurados maçons é derrubada pela própria maçonaria, uma vez que, segundo a historiografia oficial, a primeira loja maçônica comprovadamente erigida no Brasil, denominada de Cavaleiros da Luz, foi fundada entre 1795 e 1797, em Salvador pelo menos 6 anos depois da chamada “Inconfidência Mineira” ter sido debelada. Claro que isto não significa que nenhum maçon tenha participado do movimento. Outras fontes sugerem que José Alvares Maciel e possivelmente Thomás Antônio Gonzaga teriam sido iniciados na Maçonaria enquanto estavam na Europa. Ainda assim, a presença de um ou dois maçons entre os inconfidentes é muito pouco para sustentar que a conjuração tenha sido um movimento maçon e ainda menos que eram maçons os seus membros.





3) A “Inconfidência Mineira” foi inspirada na Revolução Francesa?


Este é outro mito que apresenta um erro matemático: apesar das semelhanças entre o que se planejava em Minas Gerais e o que aconteceu na França no ano de 1789, a Queda da Bastilha, considerado o marco inicial da Revolução Francesa, aconteceu em 14 de julho enquanto os participantes da Conjuração Mineira foram presos em maio, ou seja, a Conjuração Mineira terminou cerca de dois meses antes da Revolução Francesa começar. Sendo assim, do ponto de vista cronológico, dizer que a Revolução Francesa teria sido inspirado na “Inconfidência Mineira”, caso esta tivesse sido levada a cabo poderia até fazer algum sentido mas o contrário nunca. A verdade é que a Conjuração Mineira foi sim ispirada, pelo menos em partes, por uma outra revolução: a Revolução Americana, que culminou na independência dos Estados Unidos da América em 1776. Tanto que Tiradentes andava com um exemplar do O "Recueil des Loix Constitutives des États-Unis de l'Amérique", que por aqui ficou conhecido como “O Livro de Tiradentes”. O mais correto, no entanto, seria considerar que, tanto a Inconfidência Mineira quanto a Revolução Americana quanto a Revolução Francesa tiveram a mesma influência: o Iluminismo, corrente filosófica que regeu todas as grandes revoluções do século 18, lutando contra o poder absoluto dos reis e propondo novas formas de organização do estado e do poder.




4) A “Inconfidência Mineira” visava a independência apenas de Minas Gerais?


A principal fonte documental sobre a Inconfidência Mineira são os chamados “Autos da Devassa”, um conjunto de relatórios baseados nos inquéritos e depoimentos dos conjurados que culminaram na conclusão pela culpa e condenação dos mesmos, por parte da Coroa Portuguesa. Nestes documentos consta que o propósito daquela conspiração era conquistar a independência do Brasil. É fato que outros movimentos que se seguiram almejavam, de fato, uma independência parcial, regional, como a Conjuração Baiana que pretendia a independência da Bahia em 1798 e a Revolução Pernambucana em 1817 que também abrangia apenas aquela capitania, a de Alagoas e do Rio Grande do Norte. Porém, como se extrai dos próprios Autos da Devassa, o plano inicial dos inconfidentes constituía em sublevar as capitanias de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e possivelmente a Bahia e, conquistada a independência, as demais iriam sendo incorporadas gradativamente ao Brasil independente. O movimento já era reconhecido como precedente da independência durante os primeiros anos do Império do Brasil. Tanto é assim que a 21 de abril de 1865, em comemoração aos 73 anos da morte de Tiradentes, o poeta Machado de Assis escrevia: "O crime de Tiradentes foi simplesmente o crime de Pedro I e de José Bonifácio . Ele apenas queria apressar o relógio do tempo, queria que o século XVIII , data de tantas liberdades , não caísse nos abismos do nada, sem deixar de pé a Liberdade Brasileira. Entre os vencidos de 1792 e os vencedores de 1822 não há senão a diferença de resultados." Em 1862, era escolhido Largo do Rocio, local onde Tiradentes teria sido enforcado, para a instalação da estátua equestra de Dom Pedro I que tornara o Brasil independente. Presente na cerimônia de inauguração, foi o próprio Imperador Dom Pedro II quem disse que “o Alferes que ali morrera, dera o primeiro passo para Independência concluída por seu pai Dom Pedro I”. Ainda além de tudo isso, é necessário considerar que, como Minas Gerais nunca teve saída para o mar, se a inconfidência pretendesse apenas a independência de Minas Gerais, este seria o primeiro movimento separatista de uma capitania do interior do continente, sem litoral e que sentido faria a independência de um país que seria cercado de seu antigo colonizador por todos os lados?





5) Não haviam mulheres entre os inconfidentes?


Os inconfidentes se reunião clandestinamente nas casas de alguns de seus integrantes, de modo que é de se presumir que as mulheres que houvessem nestas casas fossem envolvidas no mínimo como testemunhas da conjuração. No entanto, mais que isso, mulheres tiveram de fato posição de protagonismo dentro do movimento. É fato que os condenados à pena capital, depois comutada em degredo, eram todos homens. Porém, também é fato que haviam muitos outros conjurados além dos 23 condenados. Entre estes, podemos contar Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, esposa do Coronel Francisco Teixeira Lopes. A inconfidente, umas das mais ricas entre os engajados na conjura, promovia reuniões secretas em sua fazenda, auxiliou financeiramente o movimento e foi quem denunciou aos companheiros que Joaquim Silvério dos Reis os havia traído e delatado o movimento para a coroa portuguesa. Após a prisão e condenação de seu marido ao degredo, teve como pena o confisco de todos os seus bens. Outra importante conjurada foi Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, esposa do ouvidor e conjurado Inácio de Alvarenga Peixoto. Bisneta do bandeirante paulistano Amador Bueno, cognominado “O Aclamado”, participava ativamente das reuniões dos inconfidentes e é considerada heroína da “Inconfidência Mineira”, por sua coragem em não deixar que o marido sucumbisse ao assédio dos detratores, dizendo-lhe a memorável frase:“Trair Jamais. Embora, não importa, seja infinito o sofrimento cruel”. Talves a mais conhecida das mulheres envolvidas na inconfidência seja também a de participação menos ativa: Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, imortalizada nos poemas de Thomás Antônio Gonzaga,de quem era noiva, como Marília de Dirceu, por ser de família alinhada aos interesses da Coroa Portuguesa, permaneceu fiel ao noivo e à causa da inconfidência, arriscando-se para preservar o sigilo da conjuração.






6) Não haviam negros e pardos entre os inconfidentes?


É fato que na época em que aconteceu a chamada “Inconfidência Mineira” a sociedade era estratificada e negros escravizados constituíam a base da pirâmide social e brancos europeus ocupavam seu topo. No entanto, como já ficou provado que a maioria dos conjurados pertenciam às camadas mais baixas da sociedade, para que não houvessem negros e pardos entre estes, uma das duas afirmações teria que estar errada. Pelo contrário, cidadãos negros e pardos não só eram contados entre os conjurados como desempenharam importantes papéis. Era negro, filho de mãe escrava o alferes dos pardos Vitoriano Gonçalves Veloso, o mais hábil integrante da cavalaria mineira que serviu como o mensageiro dos inconfidentes, tendo percorrido 240 quilômetros em três dias e duas noites a cavalo, para avisar outros conjurados das prisões de 10 de maio, além da pena comutada em degredo, recebeu a sentença adicional de 50 chibatadas por ser negro. Também merece ser lembrado o escravo Alexandre da Silva que com denodada bravura salvou por três vezes seu senhor, Padre Rolim, de ser preso. Quando finalmente detidos, Alexandre demonstrou grande astúcia e perspicácia ao não fornecer aos inquiridores prova que comprometesse ao padre, a si mesmo ou a qualquer dos inconfidentes nas quatro vezes em que foi interrogado. Tanto, que foi absolvido e libertado. Entre os conjurados, o de mais alto status social era Simão Pires Sardinha, filho de Chica da Silva, nasceu escravo, sendo liberto aos 5 anos de idade. Educado na Europa, pertencente à nobreza do reino, feito Cavaleiro da Ordem de Cristo, retornou ao Brasil acompanhando o governador Cunha Meneses, futuro Conde de Lumiares e tornou-se o espião dos inconfidentes dentro da corte. Por seu status de fidalgo, após a debelação da conjura, retornou a Portugal onde prestou depoimento sem qualquer implicação. Outro conjurado cujo nome não consta entre os sentenciados é o artista Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”. Filho do arquiteto português Manuel Francisco Lisboa e de sua escrava Isabel e que após o fim do movimento, teria esculpido o rosto dos principais inconfidentes, inclusive o seu próprio, em sua última obra, os famosos Profetas de Pedra de Congonhas do Campo.



7) A Inconfidência Mineira não passou de reuniões especulativas?


Outra alegação absurda sobre a “Inconfidência Mineira” é a de que não teria passado de reuniões especulativas de literatos sonhadores. A verdade é que um plano complexo e bem elaborado havia sido traçado nas tais reuniões. O estopim seria a decretação da “Derrama”, a cobrança forçada do déficit dos impostos devidos pela capitania. A frase “É hoje o dia do batizado” seria a senha para alertar a todas as células de que a “revolução” havia sido deflagrada. Uma agitação nas ruas de Vila Rica seria o pretexto para os dragões saírem às ruas sob a liderança do Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade que, diante da turba revoltosa, reconheceria como legítimas as reivindicações dos populares e aderiria ao levante. A tropa de dragões se deslocaria até o palácio do governador, subjugaria a guarnição local o manteria inicialmente cercado. São João Del Rei se levantaria sob o comando de Padre Toledo e o Tejuco, atual Diamantina, liderado pelo Padre Rolim que também já teria assegurado apoio logístico e pólvoras para munição vidos da Bahia. Com a maiorforça militar da colônia, os Dragões Reais de Minas tendo aderido ao movimento, Padre Toleto lideraria uma força a pé até o São Paulo, onde a família de Bárbara Heliodora era influente e o próprio Tiradentes levantaria o Rio de Janeiro, onde tinha grandes aliados na côrte. Caso Tiradentes falhasse, o Sargento-Mor Luiz Vaz de Toledo comandaria o contingente de resposta para barrar eventual investida portuguesa contra Minas Gerais. Outros três conjurados já haviam ido à Europa, na chamada “Missão Wendek”, buscar apoio internaciona, tendo inclusive se encontrado com o presidente dos Estados unidos, Thomas Jefferson. A derrocada do movimento deveu-se basiccamente a dois fatores: O cancelamento da Derrama que serviria de estopim para o levante ae a traição de Joaquim Silvério dos Reis que delatou os planos para a Coroa Portuguesa. Porém, o ideal ali plantado jamais se perdeu, e 33 anos depois viria a se concretizar com a independência em 1822, inclusive com a participação daqueles que sobreviveram: O Capitão José Rezende Costa, foi Contador Geral do Erário, na capital do Império até 1827. O padre Manuel Rodrigues Costa foi nomeado Cônego da Capela Imperial por Dom Pedro I. Padre Rolim, o mais rico dos inconfidentes foi um dos maiores defensores da independência após seu retorno ao Brasil eo Capitão Antônio Dias Coelho, cunhado de Alvarenga Peixoto, foi nomeado por D. Pedro I, Comandante das tropas da Província de Minas Gerais.


Resta provado que “A Inconfidência Mineira foi um movimento no qual se envolveram representantes de todas as classes sociais: ricos, pobres, escravizados, nobres, homens, mulheres, negros, pardos e brancos, que se reuniram para planejar a independência de todo o Brasi, inspirados pela Revolução Americana e que, apesar de abortada graças à traição de alguns conjurados, outros viveram para ajudar a concluir seu intento 33 anos depois, quando o Brasil conquistou sua independência em 1822.” Esta seria a frase correta, se baseado nos fatos e evidências, mais que em colinhas ginasiais e trazer a lume estes e outros fatos tão relevantes e igualmente desprezados ou falseados da história de nossa pátria é o primeiro passo para resgatar e preservar a verdadeira memória da origem e desenvolvimento de nossa nação, especialmente neste ano em que celebramos o bicentenário de nossa independência.


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