Celso Faria
Por sua multiplicidade de sotaques em um país continental, o violão praticamente assume, em cada estado ou região diferente do Brasil, uma identidade própria, recheada de sabores locais. No caso do estado de Minas Gerais, por suas especificidades regionais, a plasticidade do instrumento em absorver e reinventar diversificadas tendências estilísticas e a musicalidade secular de um povo, podemos até pensar que existe um certo.... Violão Mineiro.
Novas composições mineiras para violão
A partir do período Romântico, a colaboração estabelecida entre compositor e intérprete se tornou uma prática habitué na música de concerto ocidental, chegando, inclusive, a ser considerada de fundamental importância para o surgimento de um sem número de obras para diversos instrumentos. As especificidades inerentes à performance instrumental, não raras vezes, passaram a ser discutidas a “quatro mãos”. Neste sentido, podemos nos lembrar da colaboração estabelecida entre o compositor alemão Johannes Brahms (1833-1897) e o violinista Joseph Joachim (1831-1907), ou então, entre o violonista espanhol Andrés Segovia (1893-1987) e compositores como Heitor Villa-Lobos (1887-1959), Manuel Ponce (1882-1948), Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968) e Alexander Tansman (1897-1986), por exemplo. Recentemente, três importantes compositores mineiros ligados à música de concerto e com reconhecimento internacional, Lourival Silvestre (1949), Harry Crowl (1958) e Antonio Celso Ribeiro (1962), dedicaram músicas inéditas ao violonista Celso Faria - intérprete que também tem se dedicado à inclusão de novas obras para o instrumento em seu repertório. O trabalho do violonista consistiu em revisar toda a escrita instrumental e elaborar o dedilhado das obras - tarefa que requer pleno entendimento do contexto estético da escrita musical de cada composição, bem como o conhecimento das possibilidades técnico e expressivas do violão, a fim de garantir a fluidezdo discurso musical. Coube também a Celso Faria a realização da primeira audição delas-fato de relevância no contexto da música de concerto - o que ocorreu nas cidades de Ouro Preto-MG e Rio de Janeiro-RJ, ainda em 2021. As “novas obras mineiras”são:“Largo Antico”, de Lourival Silvestre; a “Sonata Fantástica”, de Harry Crowl;e as “Três Impressões sobre Ouro Preto”, de Antônio Celso Ribeiro. A seguir, contextuaremos cada obra, bem como seu compositor.
Lourival Silvestre
- Largo Antico (Lourival Silvestre)
Ano de composição: 2021
Gênero: livre
Estilo: neo-barroco
Linguagem: tonal
Duração:5 minutos
Estreia:01 de outubro de 2021, em solenidade do “Priorado dos Inconfidentes”, no Museu Casa dos Inconfidentes, Ouro Preto-MG.
Breve descrição da obra pelo compositor: “o nome da obra, em italiano, já indica minha intenção em compor uma peça que se situa entre os períodos da Renascença e Barroco - momento onde o contraponto já se encontrava desenvolvido, mas não tanto quanto nas fugas de Johann Sebastian Bach (1685-1750). Para ser fiel ao estilo, eu uso técnicas de composição recorrentes na época, por exemplo: na parte melódica, utilizo intervalos que privilegiam o estabelecimento de um polo tonal e, na parte harmônica, lanço mão de recursos como retardos, apojaturas e mordentes. Enfim, esta é uma obra que lembra a sonoridade do alaúde de John Dowland e outros compositores da mesma época, é uma obra produzida nos moldes do período Elizabethano”.
Lourival Silvestre nasceu em Belo Horizonte, em 1949. Iniciou seus estudos musicais de maneira autodidata, posteriormente, frequentou o Festival de Inverno da UFMG (Ouro Preto-MG, 1971). Estudou na Fundação de Educação Artística (Belo Horizonte-MG) com Clarice Dinis Ferreira e cursou Composição, na Universidade Federal da Bahia. Seus professores de violão foram BethoDavezac (Uruguai) e Leo Soares (Brasil). Silvestre ganhou uma bolsa de estudos do governo francês para frequentar a classe de Olivier Messiaen e, desde 1974, reside em Paris. Lourival Silvestre também estudou composição com Ernest Widmer, Bruno Kiefer e Pierre Boulez. Ainda em Belo Horizonte, criou o GRUME (Grupo de Música Experimental da FEA) e, em 1969, realizou o primeiro concerto de música eletroacústica na cidade, com a participação do coreógrafo e bailarino Rodrigo Pederneiras (atual coreógrafo do Grupo Corpo). Silvestre possui diploma federal de professor de violão clássico (Diplôme d’Etat). Como vice diretor da École Nationale de Musique, Danse et ArtDramatique de Evreux (Normandia), Lourival Silvestre realizou vários projetos pedagógicos, chegando a publicar, inclusive, obras para diversas formações musicais. Com seu trabalho em duo, "Lune& Soleil", formado com a cantora, flautista e violonista Francesca Perissinotto, tem se presentado regularmente na Europa, África e Brasil. Sempre que vem ao nosso país, é convidado a lecionar em diversos festivais de música, como o Festival de Inverno da UFMG. Lourival Silvestre gravou fonograficamente com Michel Legrand, Maurice André, Baden Powell, George Moustaki, Lune& Soleil, Jacques Mauger, dentre outros. Recebeu o 1º Prêmio no "Concurso Internacional de Composição de Munique (A)", o Prêmio de Honra no "Concurso Internacional de Composição para o Centenário de Villa-Lobos" - promovido pela Orquestra Sinfônica de Brasília -, e foi condecorado pelo Governo do Brasil com a "Ordem do Mérito Artístico".
Harry Crowl
- Sonata Fantástica (Harry Crowl)
Ano de composição: 2021
Gênero:sonata
Movimentos: I - A Acusação; II - O Julgamento; III - A Execução
Estilo:contemporâneo
Linguagem:atonal
Duração: 16 minutos
Estreia: 17 de novembro de 2021, na “24ª Bienal de Música Contemporânea Brasileira”, na Sala Cecília Meirelles, no Rio de Janeiro-RJ.
Breve descrição da obra pelo compositor:“o processo de composição se deu logo após a leitura do conto ‘Botão de Rosa’, de Murilo Rubião, que tem uma narrativa fantástica e metafórica. A linguagem musical da obra é um atonalismo livre, com incursões modais, para favorecer o idiomatismo do instrumento. A forma é de uma sonata livre, em três movimentos. A minha tendência quando escrevo sonatas é mais para a forma na sua origem pré-barroca, do que na forma consagrada no classicismo. Como se trata de uma sonata baseada em uma obra literária, a narrativa do conto sugere o contorno da peça, como indicam os títulos dos movimentos. Fiquei entusiasmado em compor uma obra que fosse inspirada pelo universo cultural de Minas Gerais, com o qual sempre gosto de dialogar - isto passa pela música e arte da época colonial, o mundo do sertão, o realismo mágico e toques de sincretismo religioso”.
Harry Crowl nasceu em Belo Horizonte, em 1958, e está radicado em Curitiba-PR, desde 1994. É compositor, musicólogo e diretor artístico da Orquestra Filarmônica da UFPR. Estudou música, letras e semiótica no Brasil; e nos EUA, estudou composição na Juilliard School of Music. Seu catálogo de obras conta, até o momento, com aproximadamente 200 composições, entre as quais podemos encontrar todos os gêneros instrumentais e vocais, incluindo música para cinema e teatro. Sua música tem sido executada em todo o mundo, com destaques recentes para o concerto realizado em 2021, em Sófia, Bulgária, que foi inteiramente dedicado à sua obra, no Festival “Sofia International Music Weeks, 2021”. Durante a pandemia do COVID-19, foi convidado a participar do projeto coletivo da cantata “Shadow and Hope”, como representante da América do Sul, para o qual escreveu o Quarteto de Cordas no. 3, com coro SATB, “Corona”, na Alemanha. Por ocasião de seus 60 anos, em 2018, a UFPR o homenageou com um concerto dedicado à sua obra e com o filme documentário “Labirintos: A música contemporânea de Harry Crowl”, para a TV-UFPR, dirigido por Gabriel Snak. A Editora da UFPR lançou uma coleção de partituras de obras para orquestra, escritas especialmente para a OFUFPR pelo compositor, até então. Suas realizações ainda incluem os prêmios de encomenda da FUNARTE, CDs com suas obras e uma intensa produção. Teve várias obras executadas nos últimos anos em Moscou e estreou em 2019, a Sonata do Girassol Vermelho para viola e piano, com a violista bielorussa, Darya Filippenko e o pianista brasileiro Gustavo Carvalho, assim como o Concerto no.4, sobre o nome de Marielle Franco, em forma de via-crucis, para violino e percussão, dedicado à violinista portuguesa Sofia Leandro e o percussionista brasileiro Bruno Santos. A música de Harry Crowl está presente em várias plataformas digitais como o Youtube, Soundcloud, Spotify, Deezer e ITunes.
Antônio Celso Ribeiro
- Três Impressões sobre Ouro Preto (Antônio Celso Ribeiro)
Ano de composição: 2021
Gênero:suíte
Movimentos: I -Largo de Coimbra; II - Nossa Senhora dos Prazeres; III -Janelas Melancólicas
Estilo:nova simplicidade
Linguagem: tonal/modal
Duração: 9 minutos
Estreia: 01 de outubro de 2021, em solenidade do “Priorado dos Inconfidentes”, no Museu Casa dos Inconfidentes, Ouro Preto-MG.
Breve descrição da obra pelo compositor:“ estas impressões foram pensadas para o violão, pela capacidade singular desse instrumento em transmitir atmosferas históricas, como a melancolia e a poesia barroca que impera na obra; pelo bucolismo de seus contrapontos que remetem às capelinhas do interior de Minas Gerais, que exalam a ressonância de suas paredes e o perfume de suas madeiras antigas, criando uma sensação estética riquíssima e confortante. O ‘Largo de Coimbra” é uma alusão poética a uma praça de Ouro Preto e, ao mesmo tempo, uma remetência à cidade portuguesa homônima, rica em tradições seculares. ‘Nossa Senhora dos Prazeres’ se refere à uma pequena igreja barroca situada no distrito de Lavras Novas. A composição traduz a simplicidade de sua arquitetura, sem arrebatamentos ou excesso de ornamentos. A última parte, ‘Janelas Melancólicas’, é a mais simples e diáfana, do ponto de vista estrutural e melódico. Apesar da imagem secular de seu título, ela possui um clima religioso, remontando ao estado de espírito das imagens barrocas esculpidas por Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho”.
Antonio Celso Ribeiro nasceu em Pouso Alegre, em 1962, e é professor Adjunto de Composição e Orquestração na Universidade Federal do Espírito Santo (Vitória) e Professor Permanente do Programa de Pós Graduação do Departamento de Música da Universidade Federal do Paraná (Curitiba). Foi premiado em várias competições internacionais de Composição, incluindo: “4th BrazilianInternationalCompositionContest” (2004); “BAMDialogue” (Amsterdã- Holanda, 2009); “ChaiFound Music Workshop Shizhu” (Taipei-Taiwan, 2011); “InternationalCompositionAward Al-Quds” (Jerusalém-Israel, 2011) e “Atlas Ensemble CompositionContest (Amsterdã-Holanda, 2014). Seus trabalhos têm sidos comissionados e executados por artistas e ensembles de todo o mundo. Em 2013, foi composer-in-residence no 9º TICF -ThailandInternationalComposition Festival - MahidolCollegeof Music (Bangkok-Tailândia). É compositor colaborador com a artista plástica luso-americana Leonor Alvim Brazao e também o artista plástico português António Gonçalves, também colaborou com os poetas como Leonor Alvim (Portugal), Wayne Miller (EUA), Cintia Kallás (Brasil) e G. Mend-Ooyo (Mongólia). É pós-doutor em música ladina, no SaltiInstitute for Ladino Studies, na Bar-Ilan University (Israel) e desenvolve estudos e pesquisas em música judaica Ashkenazi e Sefardita e sobre compositores que pereceram no Holocausto. Integra o Grupo de Estudos do CNPq “Arte, Filosofia e Literatura na Idade Média”, sendo membro do LaCSIA- Laboratório de Criação Sonora e Interação Artística da UFPR e também membro pleno da RedLatinoamericana de Filosofía Medieval (Argentina). Suas obras são publicadas pela Dash Editions e gravadas pela Dash Music Recordings(Espanha).
Texto: Celso Faria
Fotos: divulgação
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